
EFICIÊNCIA COM INTEGRIDADE: A FUNÇÃO DO PROCEDIMENTO ADMINISTRATIVO DISCIPLINAR (PAD) NAS ESTATAIS.
As empresas estatais, integrantes da Administração Pública indireta, desempenham papel estratégico tanto no desenvolvimento econômico nacional, quanto na prestação de serviços essenciais à coletividade. A gestão dessas entidades, contudo, enfrenta o desafio constante de conciliar a busca por eficiência operacional com a observância de elevados padrões de integridade e conformidade. Nesse contexto, o Processo Administrativo Disciplinar (PAD) revela-se instrumento imprescindível, não apenas para a apuração de infrações funcionais e aplicação de sanções, mas também como mecanismo de fortalecimento da governança pública. A instauração e condução adequada do PAD contribuem decisivamente para a consolidação de uma cultura organizacional, alicerçada na legalidade, na responsabilidade e na ética, promovendo um ambiente institucional mais transparente, eficiente e em conformidade com os princípios que regem a Administração Pública.
1. Fundamentos e Relevância do PAD no Âmbito das Estatais
O Processo Administrativo Disciplinar constitui o procedimento formal por meio do qual a Administração apura a ocorrência de infrações funcionais cometidas por seus agentes, assegurando a imposição de sanções administrativas em estrita observância ao devido processo legal. Nas empresas estatais, cujos empregados, em regra, são regidos pela Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), a jurisprudência — especialmente do Supremo Tribunal Federal (STF) — tem reafirmado a necessidade de motivação dos atos de desligamento, o que aproxima, sob determinados aspectos, a gestão de pessoal dessas entidades aos princípios do Direito Administrativo.
Consoante entendimento firmado no julgamento do Recurso Extraordinário n.º 688.267 (Tema 1.022 da repercussão geral), o STF assentou que:
“Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Ministros do Supremo Tribunal Federal, por seu Tribunal Pleno, por maioria dos voos, em fixar a seguinte tese (tema 1.022 da repercussão geral): “As empresas públicas e as sociedades de economia mista, sejam elas prestadoras de serviço público ou exploradoras de atividade econômica, ainda que em regime concorrencial, têm o dever jurídico de motivar, em ato formal, a demissão de seus empregados concursados, não se exigindo processo administrativo. Tal motivação deve constituir em fundamento razoável, não se exigindo, porém, que se enquadre nas hipóteses de justa causa da legislação trabalhista”, vencidos os Ministros Gilmar Mendes e Luiz Fux. Redigirá o acórdão o Ministro Luos Roberto Barroso (Presidente).
Brasília, 28 de fevereiro de 2024.
Ainda que o Supremo tenha afastado a obrigatoriedade de prévia instauração de processo administrativo para a dispensa de empregados celetistas concursados, desde que formalmente motivada, a adoção do PAD — ainda que facultativa — mostra-se medida prudente e recomendável. Adaptado às peculiaridades das estatais, o PAD representa ferramenta de reforço à legitimidade dos atos administrativos sancionatórios, garantindo o respeito aos direitos fundamentais ao contraditório e à ampla defesa, além de conferir maior robustez jurídica às decisões. A esse cenário soma-se a promulgação da Lei n.º 13.303/2016 (Estatuto das Estatais), que impôs às empresas públicas e sociedades de economia mista padrões mais elevados de governança corporativa, gestão de riscos e integridade. Assim, o PAD assume função estratégica na prevenção e repressão de práticas irregulares, fraudes, atos de corrupção e má gestão, que comprometem tanto a consecução do interesse público quanto a credibilidade institucional dessas entidades.
2. Eficiência Administrativa e Processo Disciplinar: Uma Relação Necessária
A adequada instauração e condução do PAD, no âmbito das estatais, constitui medida fundamental à preservação da eficiência administrativa e à observância dos princípios constitucionais da legalidade, moralidade e impessoalidade. O PAD, além de seu caráter repressivo, possui função preventiva e pedagógica, ao viabilizar a responsabilização de empregados cujas condutas — por ação ou omissão — comprometam o desempenho institucional. Além disso, a responsabilização tempestiva de agentes que desrespeitem os deveres funcionais favorece a racionalização de recursos públicos, a eficiência na execução dos processos internos e a melhoria dos serviços prestados.
Por outro lado, a omissão ou condução inadequada dos procedimentos disciplinares pode ensejar sérios prejuízos, tais como: insegurança jurídica nas relações laborais, desmotivação dos colaboradores, enfraquecimento da autoridade administrativa, e danos à imagem reputacional da estatal, perante a sociedade e o mercado. Portanto, um PAD estruturado, pautado pelos princípios da legalidade, celeridade, imparcialidade e respeito às garantias processuais, fortalece a accountability interna e evidencia o compromisso institucional com a boa governança.
3. Integridade e Cultura Ética: O PAD como Pilar do Compliance
O PAD também integra o arcabouço dos programas de integridade exigidos pelo Estatuto das Estatais, representando elemento essencial à promoção da ética e da conformidade nas empresas públicas. A capacidade da entidade de investigar e punir condutas desviantes contribui diretamente para o fortalecimento da cultura organizacional, voltada ao respeito às normas legais e à moralidade administrativa. A previsibilidade de consequências proporcionais e justas em caso de infrações estimula o comportamento ético dos colaboradores e reforça os valores institucionais.
Nesse sentido, a dosimetria das penalidades assume papel central. Pois, a imposição de sanções desproporcionais — sejam elas brandas ou excessivamente severas — compromete a credibilidade do sistema disciplinar e a confiança nas instâncias decisórias. A adequada calibragem das penalidades, observadas as peculiaridades do caso concreto, revela o compromisso com a justiça e atua como importante fator de dissuasão de novas infrações.
4. Desafios e Boas Práticas na Condução do PAD
A condução eficiente do PAD, em empresas estatais, demanda a superação de desafios, como resistências culturais à responsabilização, fragilidades normativas e deficiência na formação técnica dos responsáveis pelos procedimentos. Para mitigar tais riscos, recomenda-se a adoção das seguintes boas práticas:
• Normatização interna clara e atualizada: Regulamentos disciplinares objetivos e alinhados às normas superiores conferem segurança jurídica e uniformidade à condução dos PADs.
• Comissões disciplinares qualificadas e imparciais: A seleção de membros com formação técnica, reputação ilibada e capacitação específica garante a legitimidade e a efetividade dos procedimentos.
• Canais de denúncia seguros e acessíveis: A existência de mecanismos eficazes de reporte de irregularidades — com garantia de anonimato e proteção contra retaliações — é condição essencial para a detecção de condutas ilícitas.
• Transparência e previsibilidade processual: A clareza quanto aos procedimentos, prazos e critérios decisórios do PAD aumenta a confiança dos envolvidos e assegura maior aderência ao devido processo legal.
• Ênfase na prevenção: O PAD deve integrar um sistema mais amplo de integridade, com foco na prevenção de riscos, na formação continuada e na difusão da cultura da legalidade.
5. Conclusão
Portanto, o Processo Administrativo Disciplinar, no contexto das empresas estatais, reveste-se de natureza garantista e assume função estratégica na promoção da legalidade, da ética e da eficiência administrativa. Muito além de um procedimento meramente sancionatório, o PAD constitui manifestação do poder-dever de autotutela da Administração, viabilizando a responsabilização de seus agentes com respeito às garantias fundamentais do devido processo legal, do contraditório e da ampla defesa.
Ao assegurar a accountability interna, prevenir práticas lesivas, ao interesse público, e fortalecer a cultura institucional, orientada à integridade, o PAD consolida-se como ferramenta de governança essencial à atuação legítima e transparente das estatais. Dessa forma, o compromisso com a adequada instrução, celeridade e tecnicidade dos processos disciplinares é condição indispensável para a proteção do patrimônio público, a confiança da sociedade e a concretização dos princípios constitucionais que norteiam a Administração Pública, seja ela direta ou indireta.
Texto produzido pela Assistente de Planejamento, Mirella Morro.